No episódio de 4ª feira, dia 14 de Março, da novela “Páginas da Vida”, transmitida pela SIC, assistiu-se a um notável diálogo entre a personagem Helena, mãe de uma criança com Trissomia 21, e a directora de uma escola de ensino especial. Tratava-se do dilema da escolha, pela mãe, entre uma escola de ensino “regular” ou uma de ensino especial. Este episódio transportou-me anos atrás, para o início de um ano lectivo em que me foi atribuída uma turma de pouco mais de 20 alunos que, como me foi comunicado, tinha alguns alunos sinalizados como tendo algum tipo de deficiência.
Segui estes alunos durante dois anos, no 8º e 9º anos de escolaridade. Era uma turma muito heterogénea. Agora, lembrei-me claramente de alguns deles.
O Bernardo, aluno bonito e brilhante, daqueles de quem se diz que é “um aluno de cinco a tudo”. Ele e os pais, legitimamente, interrogavam-se sobre se não seria prejudicial continuar nesta turma, se não seria melhor pedir para mudar para outra sem alunos problemáticos. Porque as expectativas que tinham sobre o futuro académico do Bernardo eram muito elevadas. Mas acabou por ficar. A última vez que o vi, estava a frequentar o Instituto Superior Técnico.
A Marisa, uma das tais alunas sinalizadas, no início do ano acompanhava com relativa facilidade as actividades dos outros alunos. Mas à medida que o tempo passava, invadia-a um cansaço que aumentava progressivamente. A partir de certa altura, não conseguia acompanhar os colegas. E só com muito incentivo ela cumpria algumas das tarefas que lhe eram propostas.
O Serafim, sempre risonho e bem disposto, tinha muita dificuldade em acompanhar algumas disciplinas. Mas era emocionante ver o seu caderno sempre muito bem organizado, com uma letra muito bem desenhada. E o orgulho com que me apresentava os trabalhos que tinha feito em casa, voluntariamente e por sua iniciativa.
A Soraia era a que tinha maiores dificuldades e que se esforçava menos. Estava ausente a maior parte do tempo.
Os restantes alunos não apresentavam problemas de aprendizagem e iam cumprindo o seu percurso escolar.
Nunca mais vi nenhum deles.
Além dos aspectos relacionados com a aprendizagem, havia outro problema: controlar e contrariar a tendência de alguns para gozarem e humilharem os menos dotados, não só do ponto de vista intelectual, mas também do ponto de vista físico. A crueldade que se manifesta nas relações entre adolescente reveste-se, por vezes, de grande violência.
Na altura, não me lembro de haver qualquer discussão, na escola, sobre a vantagem ou a desvantagem da inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em turmas do ensino “regular”. Talvez porque sabíamos todos muito pouco sobre este assunto e não tínhamos dados para ter uma opinião formada. Depois, oficialmente, a inclusão fora decretada e não podíamos fazer mais do que cumprir. É claro que tínhamos uma professora de apoio que aparecia lá de vez em quando e nalgumas reuniões de conselho de turma, mas com uma função mais burocrática do que pedagógica.
Do diálogo que referi no início, na novela, retive a opinião da directora da escola (cito de memória): do ponto de vista teórico, a inclusão será a opção ideal; mas a prática, pelos obstáculos que apresenta, pode funcionar em sentido contrário aos objectivos da inclusão. Em vez de potenciar o desenvolvimento das crianças, pode desencadear processos de rejeição e contribuir para acentuar a exclusão.